Artrite reumatoide e a burocracia

Dr. Adrian      Artrite reumatoide e a burocracia

      * Adrian Nogueira Bueno – Reumatologista, chefe do Centro de Reumatologia do Hospital Bom Pastor de   Varginha, membro da Sociedade Brasileira de Reumatologia – artigo publicado no jornal Estado de Minas de 23/12/2013

Embora pareça um paradoxo, o maior problema vivido pelo setor de saúde brasileiro não está na falta de medicamentos de ponta, mas na burocracia e na falta de interesse que existe em toda a cadeia de suprimentos até chegar ao paciente. No tratamento da artrite reumatoide esse problema atinge, hoje, níveis preocupantes. Trata-se de uma enfermidade autoimune que afeta as cartilagens de todo o corpo e atinge cerca de 1% de nossa população. Ou seja, transforma dramaticamente a vida de quase 2 milhões de pessoas, sendo 70% mulheres, que, com dores, não tem a possibilidade de levar uma vida regular se não receberem o tratamento adequado por toda a vida.

O advento dos medicamentos biológicos de última geração trouxe consigo a expectativa de uma vida melhor e mais longa às pessoas vitimadas pela doença. Abatacepte, etanercepte, adalimumade, certolizumabepegol, golimumabe, infliximabe, rituximabe e tocilizumabe são medicamentos biológicos que permitem uma vida com maior qualidade aos portadores de artrite reumatoide ativa ou grave.

Em 2013, após longa espera, a artrite reumatoide passou a ter seu Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) publicado pelo Ministério da Saúde. Isso significa um avanço importante, pois, estabelece critérios de diagnóstico e de tratamento de cada doença, com as respectivas doses adequadas e os mecanismos para o monitoramento clínico. As despesas do Governo relacionadas ao tratamento da artrite reumatoide chegam a US$ 640 milhões ao ano.

Mas não basta, pois, os gargalos existentes em toda a cadeia de fornecimento, diagnóstico e tratamento são ainda inúmeros e de certa forma surpreendentes. Embora medicamentos de ponta como os citados já tenham sua aplicação autorizada pelo Sistema Único de Saúde e, principalmente, já estejam disponíveis para todo brasileiro acometido pela artrite reumatoide, poucos tem acesso a eles.

A barreira a ser vencida agora é a burocracia e o desinteresse. A falta de um alinhamento entre secretarias de saúde estaduais e municipais tem sido gritante. Aprovações de terapias sobem e descem dentro da estrutura hierárquica devido a interpretações diferentes do conteúdo dos protocolos de tratamento. Enquanto isso, medicamentos que necessitam ser mantidos em baixas temperaturas perecem em ambulatórios que nem sequer geladeira possuem. E poucos se preocupam com isso.

Em novembro último, uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCEMG) mostrou que a distribuição gratuita de medicamentos pelo Governo não está dando resultados. As causas apontadas foram a falta de critérios técnicos na seleção de medicamentos e programação das compras, das más condições de armazenagem e do controle de estoque de produtos e deficiências no atendimento e na orientação quanto ao uso dos medicamentos pelos pacientes, entre outras. Como resultado, o TCEMG apontou a existência de uma “judicialização” em relação a esse serviço, ou seja, o crescimento do ingresso de ações na Justiça pelos pacientes, como forma de obter o direito constitucional ao tratamento adequado.

Não tenho receio em afirmar que as condições encontradas em Minas Gerais infelizmente se multiplicam pelo País. E como consequência desse ambiente dominado pela burocracia e pelo pouco caso surge um problema ainda mais grave que é a resistência do paciente em aderir a um tratamento que exige consistência e continuidade por toda a vida. Esse é um problema recorrente, em que dificuldades de condução ao local de tratamento e para conseguir o medicamento adequado desmotivam o paciente, que deixa de se cuidar com a necessária regularidade. E assim os sintomas da doença reaparecem geralmente com maior intensidade.

Em suma, não é possível a manutenção de um quadro como esse, em que drogas inovadoras estão disponíveis a todo cidadão brasileiro, mas não chegam até ele por problemas claramente menores e que dependem única e exclusivamente de atitude e vontade política. Os portadores de artrite reumatoide não podem, nem merecem esperar por isso

 

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