Exercícios para o coração

Dizem que alguns mitos e mesmo verdades científicas nasceram para serem derrubados, e não seria diferente com os que rondam a insuficiência cardíaca. Aos portadores da doença, por exemplo, é vedada a prática de atividades físicas porque o esforço repetitivo dos exercícios contribuiria para um agravamento do quadro e a necessidade de internação do paciente. Ao contrário do que se propaga, porém, os exercícios aeróbicos podem minimizar e auxiliar na prevenção da atrofia da musculatura cardíaca, de acordo com um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da Universidade de São Paulo (USP). A doença afeta 23 milhões de pessoas no mundo e 5,6 milhões no Brasil. É caracterizada pela incapacidade do coração de bombear o sangue e manter o fluxo metabólico.

Assinado pela aluna de mestrado da USP Telma Fátima da Cunha, sob a orientação da professora Patrícia Chakur Brum, o trabalho descreve como o ato de fazer exercícios em esteira ou em outros espaços diminui a atuação do principal sistema de degradação de proteínas intracelulares, o da ubiquitina-proteassoma, que contribui para a atrofia muscular. O estudo utilizou camundongos que desenvolveram insuficiência cardíaca de forma progressiva. “São animais com a inativação gênica dos receptores Alfa 2-A e Alfa 2-C (responsáveis pelo aumento da frequência cardíaca e do fluxo de energia). Com o desligamento desses genes, os receptores causam o aumento da atividade nervosa simpática, o que acarreta, com o tempo, a insuficiência cardíaca”, define a pesquisadora.

Os animais com a doença induzida foram submetidos ao treinamento físico em esteira desde os cinco meses de idade — durante a fase moderada da enfermidade — até os sete meses, quando apresentaram um grau severo da enfermidade. Os roedores que não treinaram, aos sete meses, apresentaram redução na área do músculo plantar (região posterior da perna) e piora em seu estado. Aqueles com a doença, mas que treinaram, apresentaram melhora da capacidade física, indicando que o treinamento tem o mesmo papel em humanos.

De acordo com a pesquisadora, o treinamento favoreceu o aumento da massa muscular e a redução do estresse oxidativo (desequilíbrio metabólico causado pela formação e remoção de agentes nocivos ao organismo). A segunda parte do estudo, realizada com pessoas portadoras da doença e saudáveis, da mesma idade, submeteu os voluntários a uma caminhada.

Nesse caso, foi verificado que o esforço físico, além de aumentar o consumo máximo de oxigênio, melhorou a capacidade de geração de energia e reduziu a atividade do sistema ubiquitina-proteassoma. Isso fez com que se concluísse pela melhora do prognóstico dos pacientes, que costuma ser piorado pela atrofia.

Mitos e orientações
Telma explica ainda que foi percebido que o exercício físico aumenta o número de vasos sanguíneos e melhora a tolerância ao treinamento. “A relevância do estudo está na análise do principal sistema envolvido na atrofia muscular associado a doenças sistêmicas, que ainda não tinha sido investigado quando associado ao treinamento físico.” Como a atividade funciona como terapia coadjuvante, e não farmacológica, investigar como ela interfere nesse sistema de degradação de proteínas pode auxiliar no estabelecimento de protocolos que minimizem o estado atrófico do paciente, ressalta a pesquisadora.

Para o cardiologista Bruno Ganen, existem muitos mitos relacionando a atividade física aos portadores de insuficiência cardíaca. “O paciente só não pode fazer o exercício se estiver em uma cama de hospital. Caso contrário, deve fazer sim, desde que de maneira supervisionada”, pondera. O médico afirma que, nesses casos, a prescrição da atividade depende da intensidade, das características dos pacientes, da causa da insuficiência e do grau da doença. “Tudo deve ser avaliado individualmente para que o paciente se proteja dos riscos. Na forma adequada e supervisionada por fisioterapeutas e acompanhada por médicos, o treinamento traz apenas benefícios para o paciente”, avalia.

Centros de reabilitação
O especialista acrescenta que a atividade física aeróbica altera a forma com que o corpo reage à doença, sobrecarregando menos o coração. “A atividade pode melhorar a qualidade de vida do paciente e até evitar a progressão da doença, por isso é melhor começar desde cedo”, aconselha. O cardiologista Cantídio Lima Viera diz que a reabilitação cardíaca é realizada para melhorar a condição do paciente para as tarefas do dia a dia.

“A pessoa com insuficiência cardíaca tem dificuldade para realizar atividades simples, como andar. Essa reabilitação, portanto, serve para condicionar esse coração para suportar essas atividades.” Segundo ele, sem esse trabalho, a evolução do quadro clínico e a reinternação serão mais frequentes.

De acordo com o fisiologista clínico Ronaldo Cascrioto Lemos, o exercício pode ser prescrito em todos os graus da insuficiência cardíaca. Ele explica que o portador da doença é exercitado abaixo do limite do coração. “Trata-se da técnica do trabalho progressivo de suporte funcional, que melhora a resposta e a estrutura cardíaca desse paciente”, afirma.

Para Lemos, com os exercícios é possível aumentar a taxa de sobrevida do paciente. Por exemplo, fazendo a atividade na água, na bicicleta ou na musculação assistida, o treinamento é progressivo, ele tende a estimular o paciente, e o coração, a aceitar melhor aquele esforço. Com isso, o condicionamento do órgão também aumenta. “Atendo pessoas com problemas cardíacos que, após a reabilitação do coração, conseguem se esforçar quase na marca de pessoas sem a doença”, garante.

A terapia do corpo
Estudo testa exercício físico em camundongos com insuficiência cardíaca e conclui que o treino pode diminuir a atrofia muscular.

Doença
A insuficiência cardíaca é caracterizada pela falha de uma das cavidades do coração. Ou seja, ela não é capaz de bombear o sangue que recebe.

Sintomas
Falta de ar, podendo se agravar com um edema agudo de pulmão.

Diagnóstico
Exame clínico, como ausculta cardíaca e pulmonar, radiografias e ecocardiografia.

Coração
O dano ao coração provoca aumento da atividade de alguns sistemas neuro-humorais, como o sistema nervoso simpático, que desencadeia aumento da inflamação e do estresse oxidativo, culminando em diversas alterações no músculo esquelético, inclusive, redução da força. Esses fatores, associados à redução do fluxo de sangue aos músculos, tornam o paciente com insuficiência cardíaca mais intolerante ao esforço físico, aumentam a fadiga e geram perda de massa muscular, caracterizando a atrofia.

Atrofia
O sistema de ubiquitina- proteassoma está ligado a atrofia muscular, doenças sistêmicas, câncer, insuficiência renal e diabetes. Em estados atróficos, a atividade do sistema é bastante aumentada, degradando proteínas do músculo esquelético.

Estudo
Os ratos com insuficiência cardíaca induzida foram submetidos ao exercício físico em esteira com intensidade moderada até os cinco meses de idade, período em que a cardiomiopatia ainda é moderada. Foi percebido que os ratos com a mesma idade que não foram submetidos ao treino, aos sete meses, estavam com a doença em estágio severo.

Objetivo
Avaliar o sistema de ubiquitina-proteassoma – essencial na degradação de proteínas – nos casos de atrofia em insuficiência cardíaca.

Relevância
A análise do sistema envolvido na atrofia muscular associada a doenças sistêmicas já foi feita, porém, ainda não haviam associado ao treinamento físico. A importância aqui é a constatação de que o exercício físico na fase moderada da enfermidade impede a progressão da doença.

Resultados
O exercício físico moderado minimiza a atrofia muscular, aumenta o número de vasos sanguíneos por fibras, melhora a tolerância ao exercício físico, reduzindo o estresse oxidativo e a atividade de componentesdo sistema ubiquitina-proteassoma.

Fonte: Estado de Minas

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